MENSAGEM N.º 063/2023
Manaus, 27 de Julho de 2023.
Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,
Comunico a essa Augusta Assembleia Legislativa que, no uso da prerrogativa a mim deferida pelo artigo 36, § 1.º da Constituição Estadual, decidi pela aposição de VETO TOTAL ao Projeto de Lei que “PROÍBE o vilipêndio de dogmas e crenças relativas à religião cristã sob forma de sátira, ridicularização e menosprezo no âmbito do Estado do Amazonas”.
A matéria foi levada ao conhecimento da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania - SEJUSC, que por intermédio de manifestação de sua Secretaria Executiva de Direitos Humanos, se manifestou no seguintes termos:
“...cumpre esclarecer que tal proibição já se encontra positivada no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do artigo nº. 208 do Código Penal Brasileiro:
“Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”.
Deve-se ainda esclarecer que tal PL vem de encontro a um fundamento basilar da República Federativa do Brasil, a laicidade do Estado, ou seja, umas medidas de evitar à discriminação religiosa, visando cumprir os objetos fundamentais da República, presentes no artigo 3º da CRFB:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Ademais, o artigo 5º do ordenamento retromencionado, ainda nos diz que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; ”.
É notório que a Constituição Federal não cita uma religião ou crença específica, visando a laicidade objetiva. Todavia, o Projeto de Lei menciona que:
“Art. 1.º Fica proibida a utilização da religião cristã, de forma a promover a ridicularização, satirização e/ou toda e qualquer outra forma de menosprezo ou vilipendiar seus dogmas e crenças, em manifestações sociais, culturais e/ou de gênero, no âmbito da administração pública no Estado do Amazonas.
Parágrafo único. Entende-se como ofensa ao cristianismo, a utilização de todo e qualquer objeto que vincule à religião ou a crença de forma desrespeitosa e que incite o ódio aos cristãos.”.
(Projeto de Lei nº. 183/2023)
Faz-se mister citar que o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI nº. 3478/RJ que trata sobre designação de pastor evangélico para atuar nos quartéis militares, portanto, a jurisprudência nos diz que:
“Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 91, § 12, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DESIGNAÇÃO DE PASTOR EVANGÉLICO PARA ATUAR NAS CORPORAÇÕES MILITARES DAQUELE ESTADO. OFENSA À LIBERDADE DE RELIGIOSA. REGRA DA NEUTRALIDADE. PROCEDENCIA DA AÇÃO.
1. A regra de neutralidade do Estado não se confunde com a imposição de uma visão secular, mas consubstancia o respeito e a igual consideração que o Estado deve assegurar a todos dentro de uma realidade multicultural. Precedentes.
2. O direito à liberdade de religião, como expectativa normativa de um princípio da laicidade, obsta que razões religiosas sejam utilizadas como fonte de justificação de práticas institucionais e exige de todos os cidadãos, os que professam crenças teístas, os não teístas e os ateístas, processos complementares de aprendizado a partir da diferença.
3. O direito dos militares à assistência religiosa exige que o Estado abstenha-se de qualquer predileção, sob pena de ofensa ao art. 19. I, da CRFB.
Norma estadual que demonstra predileção por determinada orientação religiosa em detrimento daquelas inerentes aos demais grupos é incompatível com a regra constitucional de neutralidade e com o direito à liberdade de religião.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária virtual de 13 a 19 de dezembro de 2019. sob a Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em julgar procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade do § 12 do art. 91 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, nos termos do voto do Relator.
Brasília. 20 de dezembro de 2019.
Ministro EDSON FACHIN Relator”
Por conseguinte, quando coloca-se que o vilipêndio de seus dogmas e crenças, contra a religião e crença cristã, vai de forma contraria a neutralidade adota pela República Federativa do Brasil, da mesma forma, o escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou religião já se encontra presente no ordenamento vigente, sendo assim não se faz necessário a implementação de tal Projeto de Lei, visto que o tal, ainda que sem a devida intenção ira favorecer apenas uma religião em específico.
Entendidos os fundamentos e explanações acima, esta Pasta de Direitos Humanos se posiciona contrária ao Projeto de Lei, pugnando pelo veto do mesmo, com base nos argumentos retromencionados.
Assim, pelos motivos expostos, nos termos constitucionais, submeto os motivos de Veto Total à apreciação dessa Casa Legislativa, reiterando às ilustres Senhoras Deputadas e aos ilustres Senhores Deputados, na oportunidade, expressões de distinguido apreço.
WILSON MIRANDA LIMA
Governador do Estado do Amazonas